Thursday, February 15, 2007

Chama Duplicada

Introduzimos muitas palavras, demasiadas palavras da máxima incoerência possivel, para tentarmos obter um infindável número de palavras possiveis.
Por entre pequenos espaços circundantes; observamos uma pequena vilória que nos remete a tempos rupestres; vamos chamá-la de vila finita de prazeres nefastos.
Através de uma pequenissima introdução, iremos obtendo os ingredientes máximos e necessários para o desenvolvimento de uma possivel fábula/ estória.
Nesta pequena vila com poucas casas, carros e pessoas a emergir, no meio de matagais imensos de sebes retorcidas, a trama vai-se desenrolando através de pequenas chamas que não são duplicadas. 
Com minúcia e destreza, aparece-nos com clareza o discurso de um homem, poderemos chamá-lo de João, que se encontra debaixo de um pátio coberto com cortinas, enquanto outro homem mais velho, o Almirante Luis, o vai observando com clareza.
João
- Hoje consigo ser o homem mais feliz do mundo, comprei uma ponte.
A sua mulher, poderemos chamá-la de Luisa, completamente embasbacada pergunta-lhe perante uma multidão:
Luisa
- Compraste uma ponte? - Que dizes homem?! 
As pontes não se compram, existem são património do estado.
O João fica perplexo com os braços cruzados, a fitar atentamente a sua mulher Luisa, enquanto várias pessoas com vários nomes vão balbuciando semifrases :
Íris
- Comprou uma ponte. Está completamente maluco o rapaz.
Pedro
- Este tem a mania das grandezas. Porque é que não arranjas uma vida, ó meu canalha?!
Inês
- Coitadinho do rapaz, perdeu-se literalmente, não diz coisa com coisa é o que é.
Filipe
- Este gajo é um ultraje, é um homem de fitas. 
Vai jogar á bola. 
Estás-me a ouvir ou o tintol avariou-te a tola.
Criança Paulo: Este senhor não sabe o que diz; se tivesse comprado uma casa ou um carro; mas uma ponte?
Luisa: Imaginem a minha vida com este marialva, acreditem que não é fácil.
Criança César: Olhem para ele, acham que ele comprou uma ponte?!
António: Até uma criança ri-se de ti; és mesmo um bárbaro.
Filipa: Deixem estar o moço em paz, ele só fez uma afirmação.
Xavier ( Esposo da Filipa ): 
- Estou-te a entender ó bacano. 
Enquanto vai palitando os dentes e observando o João em cada gesto.
Neste momento dirige-se á praça uma criança chamada Luis e fala com o João:
Posso caminhar na sua ponte?! 
Como é que ela é?!
O João volta a erguer-se e responde ao Luis:
Claro que podes. 
Ela é a nossa ponte, é feita de aço vigoroso; é enorme, mas não é só minha.
A multidão solta gargalhadas em uníssono :
ESTE GAJO NÃO ESTÁ BEM, NOTEM NO QUE ELE DIZ.
O Almirante Luis, já com variadissimas estórias ouvidas, mostra-se resignado, mas continua todavia a observar todas estas variações, sem sequer articular uma palavra.
O João vai pensando para consigo próprio:
- Eu comprei a ponte, era o que eu mais queria; olho para este isqueiro e dá-me uma vontade irresistivel de o penetrar duplicadamente, posso faze-lo com toda a seriedade na minha privacidade, mesmo sabendo que o calor das suas chamas me iria destruir e não posso comprar uma ponte que ninguém sabe muito bem de quem é?! 
A ponte permanece fiel e enclausurada em si mesma, é um percurso a percorrer, une duas margens, é bastante velha e não se sente atraente e no entanto; sentiu-se o seu velho aço e estéreis madeiras a rejuvenescerem com aquela afirmação, tinham passado variadissimos anos, multiplas guerras, muita vegetação e fungos silvestres que a tentaram consumir décadas e séculos a fio, abriu montes de túneis para que o seu percurso fosse completo, mas aquela afirmação era um sinal positivo, não existia fogo, cheias, terramotos, aluamentos ou fumo, era um sinal positivo, era um género de prazer esotérico, uma afirmação de que estava viva, que era recordada; mas acima de tudo, sabia que tinha um propósito novo nos tempos modernos, ser pertença de alguém que todos conheciam, fazia com que ela fosse mais feliz consigo mesma.
A Luisa, continuava a sua vida a balbuciar isto e aquilo, enquanto os anos por ela passavam e o João mais doente ficava, todas as outras pessoas continuavam passados tantos anos a reflectir e a recordar aquela frase, de um homem chamado João, que num determinado dia e num determinado momento, soltou aquela frase, ninguém se lembrava da data e muito menos do local onde ela foi proferida, mas lembravam-se com exactidão que tinham ouvido, aquele homem a pronunciar uma frase indecifrável para a altura, mas que agora já podia ser decifrada, no entanto com o decorrer de décadas e dado ao facto de essa frase não ter sido passada literalmente de pai para filho, a nova geração e mesma a daquela altura, não se lembravam de absolutamente nada; apesar de todas as quebras de memória, ainda existia uma velha memória; o Almirante Luis, a acreditar-se naquela fábula e idolatrava constantemente o João, mesmo depois deste se encontrar morto; sempre que passava pela ponte, quer fosse a pé, no metro ou mesmo no seu próprio automóvel; lembrava-se com nitidez daquele célebre dia em que alguém tinha afirmado que tinha comprado uma ponte, lembrava-se das expressões de toda as pessoas, do espaço no qual tinha sido pronunciado aquela frase, da forma como todos estavam vestidos, ainda se lembrava do que tinha comido naquele dia; frango com batata assada, as medalhas que apesar de transparentes trazia ao peito, a sua célebre camisola branca com uma gola demasiado apertada, as suas calças pouco engomadas e mesmo rasgadas, o cuidado com que ia manuseando as páginas de um livro que estava a ler e que era impronunciável para ele naquela altura  "Treasure's Island", o cheiro que percorria a vila finita de prazeres nefastos, a sua vizinha que tinha um olhar doce e meigo e que trajava todos os dias uma simples camisola rosa e uma saia de um verde esbatido, o cabelo de sua mãe disposto e solto ao vento, os braços do seu pai que pareciam vigas imóveis, mas que se tinham quebrado com o passar do tempo até á exaustão de tanto trabalhar na terra que tanto ele amava, o eterno barulho que os pássaros faziam ao amanhecer, como se raras melodias se tivessem transformado em silêncio, lembrava-se do barulho que os cães faziam e dos movimentos dos gatos quando queriam dormir e iam se enroscando nas suas pernas, para ele lhes dar alimento, lembrava-se ainda do galo com o qual ele acordava antes de ir trabalhar para a primeira fábrica que tinha aberto na vila, recordava-se com prazer de todos os momentos em que passara junto á lareira a observar os ramos a arderem e a sentir aquele cheirinho indescritivel e a sensação de conforto e calor que lhe causava, lembrava-se dos 3 filhos que tinha tido e como eles não tinham apreciado aqueles momentos, da sua mulher esbelta e senhoril, que tinha permanecido para todo o sempre na sua memória, apesar de todos os tormentos que passou, quando deu conta que ela estava a morrer; da enxada que levava consigo todos os dias para ajudar o seu pai na lavoura, toda a água que tinha de transportar para que a sua mãe fizesse as refeições e pudesse ainda aproveitar ao máximo toda o resto da água para ainda servir de acompanhamento para as refeições e do restante para lavar a sua roupa e cada utensilio da cozinha, lembrava-se com nitidez da vila e daquele instante, mas acima de tudo daquela frase.
Apesar de se sentir cada vez mais velho e com demasiadas rugas e cabelos brancos para os contar, ele olhava sempre fixamente para o firmamento para procurar descortinar o João e a sua frase emblemática; sentia-se fisicamente como a criança que já tinha sido, apesar das suas enormes barbas e cabelos brancos, era um homem esquelético e com pouco a dizer ou fazer, pois já ninguém o levava a sério e sempre que observava a ponte, sentia o enorme desejo de a comprar também, mas apesar desse desejo violento, a memória nunca o traía enquanto se recordava da primeira vez que tinha observado o João quando este disse para todas as pessoas que tinha comprado uma ponte e lembrava-se com exactidão o que ele lhe tinha dito em criança; quando ainda nem sequer tinha imaginado que toda a sua vida ia ser passada a navegar; naquele instante em que o João pronunciou a frase:
“ Ela é enorme, é nossa, é feita de aço vigoroso. “
Sentia que estava cada vez mais nova, sempre que atravessava a ponte, apesar do seu aspecto decadente, com vigas de aço e madeira já retorcidas, pois no seu intimo e apesar do seu desejo incontrolável, sabia que a ponte também era dele e não a iria comprar.
Esta permanecia quieta e a banhar o rio enquanto se estendia majestosa perante o sol, ia sorrindo aqui e ali, recordava os barcos que tinham passado sobre ela, recordava ainda todos os que estavam lá a passar no momento em que a frase foi proferida, todos os barcos que por lá passavam ainda neste momento, todas as guerras e desgaste do tempo pelo qual foi passando, toda a alegria contida nas crianças quando por lá passavam, toda a dor manifesta pelas pessoas que só queriam ver o rio e recordar-se da sua vida; todos os animais que por ela passaram como se Deuses se tratassem; de toda a vegetação que a foi cobrindo durante anos e anos, devido ás condições climatéricas pelas quais teve de passar e que lhe davam o calor necessário para se manter intacta, de todos os papéis que foram passados de mão em mão até agora, quer fossem escritas, narrados ou tinham simplesmente a sua imagem ou alguns dos seus adornos.
Admirava com muito prazer o João, amava como ninguém o Luis, pois apesar de todos os anos que tinha passado, ainda existia uma pessoa que lhe ia dizendo:
Gostaria de te comprar, mas já és minha, já tinhas dono e continuas a ter e mesmo quando eu morrer, ia relatando o Luis, irás ter alguém que irá velar pela tua segurança, disso podes estar certa, a mensagem nunca irá ser atirada para o oceano dentro de uma garrafa; disse o Luis para a ponte e contra o vento, enquanto a ponte o mirava e ele ia reflectindo no que teria de dizer quando chegasse a casa com as calças sujas e esfarrapadas que a sua mãe lhe tinha oferecido naquele dia, para que ele pudesse tirar uma simples fotografia junto á ponte, para que esta lhe fornecesse toda a beleza da simples vila e de todos os elementos naturais que a iam adornando .

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